quinta-feira, 24 de abril de 2008

Desabafos Gélidos

Há ocasiões em que surgem palavras e frases, porém é um grande problema conecta-las. Já é um problema saber por onde começar. As coisas que precisam ser expressas precisam sê-lo da maneira mais sincera possível. Há a sinceridade impessoal de um telefonema; ou a sinceridade manipulada por olhares tristes, ou insinuantes, de uma conversa cara-à-cara; porém me parece mais sensato ceder à inocência da caneta deslizando sobre o papel.
É bom começar dizendo que é possível que até mesmo uma estátua de gelo tenha sentimentos. Ela não os expressa. Apenas espera que o tempo traga um sol que lhe transmita o calor necessário para se derretida, extinguindo assim o pesar sentido.
De vez em quando essa estátua se sente caindo. Como folhas no outono. Ela espera que a queda não dure toda uma estação, espera que logo surjam flores desabrochando ao longo do caule, e que a planta receba a clorofila para que as folhas fiquem verdes como as das demais árvores.
Uma estátua de gelo sabe quando duas pessoas vivem intensamente a pureza de pecados inseguros. Percebe que não se sente à vontade dizendo eu te amo, pois não entende o amor. Talvez nem o conheça. Contudo, nota quando sente com uma intensidade apta a perfurar-lhe o peito.
Quando se sente insegura, a estátua acha essa insegurança perfeitamente normal, pois sabe que a sapiência extingue a pureza do coração. Sabe que quando julgamos conhecer as respostas, vem alguém e muda as perguntas.
A estátua também teme que o amor não seja recíproco. Que o medo não seja recíproco. Que a insegurança, a aversão às grandes distâncias, a instabilidade emocional, que tudo não o seja.
Torce a estátua para que a pessoa amada, ao ler estes pensamentos soprados com tinta no papel, compreenda que a estátua sentiu muito intensamente. É triste usar verbos no passado, porém a mente não engana a caneta e o papel, que conhecem a impressão que uma conversa e uma partida deixam.
E, principalmente, a estátua acredita já ter perdido. Escreve mais como um desabafo do que como uma tentativa de recuperar o amor e a confiança que lhe eram oferecidos. Lamenta não ter tido a chance, ou a coragem de dizer “OK, a modernidade também nunca me atraiu, voltemos ao passado.”


À pessoa que me causou tamanha aflição, mas que hoje me propicia a mais plena felicidade.

Notícia Em L.M.

João sofreu um acidente de moto. Foi para o hospital, fraturou dois dedos da mão. Marcos, que estava com ele de carona no acidente, não sofreu nenhum arranhão, e foi liberado para ir embora. Já na saída do hospital encontrou Maria, e relatou:
“O João? Está bem, quebrou só dois dedos.”
Maria, por sua vez, falou pra Cris:
“Não foi nada não, quebrou só o braço...”
A Cris falou pro André:
“Fratura exposta, na perna e no braço, perdeu muito sangue, sabe como é...”
André pra Tina:
“Hi, o João? Tá na UTI, traumatismo craniano!”
Tina pro Paulo:
“Morte cerebral. Vão doar os órgãos e...”
Assim a notícia chegou ao ouvido da mãe do João:
“Eu lamento dona Joana, mas aconteceu.”
Doze horas depois, de alta, João chega em casa.
“Oi Mãe.”
“Oi querido... já comprei um caixão bem lindo, o velório é amanhã.”
“Que velório mãe?”
“O seu!”
“Mas mãe, eu não morri!”
“Não tente me consolar, meu filho...”

sexta-feira, 18 de abril de 2008

A boa e velha Burrice

Ultimamente venho sendo obrigado a reavaliar o conceito de burrice como eu conhecia, se não o conceito, pelo menos o limite entre burrice e inteligência. A linha tênue da burrice vem sendo transposta com cada vez mais freqüência pelo ser humano, e acho que isso é conseqüência de nossa vida fast-food onde se faz tudo antes de pensar, pois quem pode pensar e pagar as contas ao mesmo tempo?
Em São João Batista, na chamada Grande Florianópolis, uma menina de quatorze anos foi estuprada e morta, o corpo tendo sido encontrado nesse último sábado. Sabe quem estuprou ela? Um adolescente de quinze anos. Quinze! Mas isso não foi estupidez, foi filha-da-putice mesmo. A burrice foi a seguinte: o imbecil deixou apenas dois objetos no local que em nada poderiam compromete-lo: o boné e a cueca. Deixou o boné e a cueca com que razão meu Deus? Talvez a mãe dele achasse a cueca suja de sangue e o boné de terra e lhe desse uma surra. Coitado. Triste vai ser o destino dele agora, que provavelmente sofrerá umas dezoito vezes mais que a pobre menina no “Centro de Recuperação” para onde será mandado. Sofrerá, claro, caso viva para tanto, ou caso seja condenado para tanto.
A seqüência da burrice começa agora. Sabe quanto tempo o Filho-da-putinha ficará preso caso seja condenado? No máximo três anos. Culpa do nosso Ilmo. ECA, que prevê essa pena máxima para adolescentes que cometem este tipo de crime. Façam as contas: quinze mais três? Dezoito. Com dezoito anos ele estará de volta à liberdade, com o saldo negativo de algumas pregas e milhões de parafusos, esses sim ficarão na cadeia. Desculpem, cadeia não, “Centro de Recuperação”. E com uma ampla bagagem técnica para crimes que queira vir a cometer.
É uma burrice o ECA dar esse tipo de benefício a quem comete crimes tão hediondos quanto esse. Isso dá a liberdade aos adolescentes para cometeram seu crimes e saberem que logo logo estarão de volta à ativa, bem com para proteger comparsas com mais de dezoito anos, pois esses sim pegariam uns bons anos de cadeia. O ausência do medo de permanecerem por mais algum tempo encarcerados os torna livres pra cometerem esse tipo de barbárie. É preciso impor a eles um limite que deveria já lhes ser imposto de berço, pois acredito que os pais tem sua parcela de culpa neste tipo crime.
Que fique claro: não sou a favor da redução da maioridade penal, nem da pena de morte, nem nada disso, bem como também sei que os pais deste rapaz não o criaram para fazer este tipo de coisa, mas que tanto a família quanto o famoso “sistema” têm suas parcelas de culpa, disso não tenho dúvida.
Mas, no final de tudo, a culpada é a boa e velha burrice, que neste caso é capaz de fazer um pouco de justiça. Só um pouco.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Ode

Costumo muitas vezes criticar o cinema de hoje e, acima de tudo, os diretores de cinema, pelo excesso de efeitos especiais, tanto visuais como sonoros, e a falta de apego em coisas na minha concepção mais interessantes, como o roteiro, a fotografia e a atuação dos atores. Pois para que precisamos de um roteiro com diálogos geniais se temos o Homem-aranha se pendurando entre os prédios e matando vilões malvados? Ou que fotografia é melhor do que Brad Pitt e Angelina Jolie casados, espiões e tentando matar um ao outro?
Bom, na verdade, entrei no assunto não para fazer críticas, mas sim uma quase ode. Ode ao diretor mexicano Guillermo Del Toro. Por ele, mesmo depois de ter dirigido lixos cinematográficos como Blade 2 e Hellboy (alguns argumentarão que os dois são, no mínimo, bem dirigidos, aos que pensam assim vide primeiro parágrafo), dirigir os dois filmes mais belos e emocionantes que vi nos últimos anos: O Labirinto Do Fauno (2006) e O Orfanato (2008).
O Labirinto Do Fauno é como um conto de fadas com um tema extremamente adulto: uma menina tenta realizar seus sonhos de conhecer os imaginários pais e ser princesa no reino deles por meio de tarefas que lhe são impostas pelo Fauno, tudo isso enquanto por fora corre um intrigante jogo revolucionário da época da ditadura de Franco na Espanha. Sem falar na união de uma fotografia que enche os olhos, um roteiro com diálogos que enchem os ouvidos e a atuação da menina Ivana Baquero, no papel de Ofélia, que enche o coração de esperança e alegria. E pode juntar à mistura um dos piores Generais que uma ditadura poderia nomear (padrasto de Ofélia), capaz de crueldades que só assistindo ao filme pode-se crer.
Já O Orfanato é um suspense-terror-drama que beira à insanidade. Uma mulher se muda, com marido e filho, para o orfanato onde foi criada, para criar seu filho e ajudar outras crianças que não têm onde viver. Porém esse orfanato possui crianças que atormentam as demais crianças que por lá chegam. A partir daí corre uma trama surpreendente e um final que, digo sem a menor vergonha, me fez chorar. Isso mesmo. Um suspense que leva espectador às lágrimas. Coisa rara não? Alguns já haviam me feito chorar tamanha a emoção e beleza, como A Lista De Schindler e Coração Valente, agora nunca um suspense... Nunca!
Mas o melhor dos dois filmes é uma combinação presente em ambos: a inocência das crianças em meio a um filme de conteúdo mais do que adulto. A menina sonhando com seu reino em meio à mais ferrenha ditadura no primeiro e o menino em meio ao dilema da vida e da morte, com o HIV para dramatizar ainda mais o tema lindamente abordado. Ah, e não esperem, de modo algum, um final feliz imbecil e clichê. Os finais podem são surpreendentes e emocionantes, mas não felizes. Apenas o espectador fica feliz depois de ver esses que serão pra mim, sem dúvida, verdadeiros clássicos do cinema.
E, o melhor, mandam uma bela banana para Hollywood e seus efeitos especiais.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Mais Frases

Palavras às vezes se encontram de forma surpreendentemente genial ou surpreendentemente (odeio como soam essas palavras que já terminam com “ente” e que, por uma destas peças que a língua insiste em nos pregar, somos compelidos a somar mais um “ente” no final) imbecil nas frases. O pior de tudo é que, é claro, as palavras se unem justamente para dar sentido as frases, porém é este sentido que de vez em quando falta a elas.
Um exemplo é o trecho de uma música dos Natiruts, que diz “Mas o carcará foi dizer pra rosa que a luz dos cristais vem da lua nova e dos girassóis”. ????????. Desafio alguém a encontrar um sentido para esse jorro de palavras sem nexo, típica deste pop reggae tosco-chapado que impera nos dias de hoje. Qualquer um. E digo mais, alguns argumentarão que com certeza o resto da letra dá algum sentido ao trecho. Não dá. Façam o teste, o desafio está lançado.
Porém algumas frases têm um impacto que beira a genialidade. O Analista de Bagé diz que é freudiano “mais ortodoxo que caixa de maizena”.
E existe algo mais ortodoxo?
Já busquei nos mais escuros porões de minha mente alguma, mesmo que remota, lembrança de uma caixa de maizena que não seja aquela amarela, com a foto do Sr. (ou Sra.?) Quacker do lado e uma receita “de vó” atrás. Aliás, se lançassem maizena em caixas de outra cor seria o caos. Os bebês veriam sua mãe preparando seu mingau com uma maizena de caixa, digamos, vermelha, e diriam:
- Buááááááááááá...
Mas pensariam:
- Que é isso? Acabaram com o monopólio da maizena amarela? Eu não vou tomar esse mingau. Não. Mãe, eu não quero brigar com a senhora...
Há aqueles momentos em que não só as palavras rabiscadas num papel entram para a história, como também seus autores, na maioria das vezes devido à própria frase. Getúlio Vargas teria ocupado muito menos papel nos livros de história não fosse a célebre “Saio da vida para entrar na história”. Claro que essa frase precedeu um tiro na cabeça, mas garanto que ela causou muito mais impacto (não na cabeça dele, claro).
Ou o que seria de Arnold Schwarzenegger sem o clássico “hasta la vista, baby”? Ele teria passado meses em depressão tentando assimilar o fracasso de Conan e tentando recuperar a forma física para ser eleito Mister Universo mais algumas vezes, porém sua carreira de “ator” estaria arruinada e, consequentemente (“ente” + “ente”, de novo), também sua carreira política, se é que ela chegaria a existir.
Carla Perez, não fosse o “I, de iscola”, talvez apresentasse um programa qualquer sobre futilidades como os da Adriane Galisteu e da Luciana Gimenez em uma emissora de grande porte, o que não faria diferença alguma ao telespectador.
Algumas frases me despertam uma inveja tremenda, e não a chamada inveja boa. A ruim mesmo. Dá vontade de matar os autores, limpar todos os registros e reescrevê-las recebendo todos os créditos. Ex.: “Na matinê morro de tiro ou de tédio, se Deus morreu quem é que vai me enterrar?”, “tenho 25 anos de sonho, de sangue, de América do Sul, por conta deste destino um tango argentino me cai bem melhor que um blues”, “os dias parecem séculos quando a gente anda em círculos, seguindo ideais ridículos de querer lutar e poder”, “meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu, de quem pensa diferente, nos querem todos iguais, assim é bem mais fácil nos controlar, e mentir, e matar o que tenho de melhor: minha esperança”.
E, pra encerrar, fica uma para que vocês reflitam e, se possível, apliquem em situações cotidianas:
“Zum zum zum zum zum baba, zum baba, zum baba/ Tava na avenida com você/ Tava esperando Maimbê/ Maimbê, Maimbê bamba”.