quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Negociação


Seu rosto lúgubre surgiu ao alto de meus olhos quase imperceptível. Os olhos flamejavam um vermelho arrebatador. Vermelho como o escarro do tuberculoso agonizante. Vermelho como a maçã oferecida pela serpente.
“Vim buscá-lo, grande amigo. É hora da redenção de teus pecados”.
“Quer dizer que tão maldita hora é agora chegada?” – perguntei-lhe.
“Não só é chegada a hora como por pouco tens tempo para últimas palavras”.
Disse isso impondo aos meus olhos a visão de sua foice marcada com o sangue maculado pela culpa de outros tantos como eu. Sangue de um vermelho tão arrebatador quanto seus olhos.
“Mas por que eu? Por que agora?”
“Tu mesmo te sacrificaste tolo. Teus alucinógenos, bebidas, drogas em geral, todos venenos a longo prazo”.
“Mas não há nada que se possa fazer? Dinheiro há às muitas. Compro-te minha salvação”.
“Será que não entendes? Não se trata...”
“Calma, calma. Senta-te no estofado da poltrona. Aceitas um uísque?”
Nisso ele disse que sim.
“Certo. O que achas de umas duas mil moedas de ouro por tua réles vida?”
“Pago-te até quatro”.
“Pois bem. Traga-me as moedas e vou-me embora”.
Fui buscar as moedas e quando voltei, ele já me esperava à porta. Entreguei-lhe as moedas e, no momento em que dizia adeus, senti a lâmina da foice cruzar meu pescoço. Minha cabeça foi ao chão.Antes de perder pela última vez os sentidos, pude observar meu corpo caindo. O copo de uísque quebrando, manchando com álcool o tapete. O olhar de meu assassino não era agora mais vermelho, mas sim roxo. Roxo de triunfo. Roxo como os de um viciado em heroína. Roxo como eu estaria em minutos. Meu último pensamento antes de desfalecer por completo foi o de que havia, literalmente, entregue o ouro ao bandido.